segunda-feira, 10 de junho de 2019

R.I.P. Andre Matos

The Magician

Sou de uma geração de Metaleiros que teve sua formação e seus gostos musicais moldados entre os anos de 1997 a 2002, quando estava entre meus 15 e 20 anos de idade (digamos que os 5 anos iniciais de imersão no rock são mais "profundos" do que os conseguintes, devido ao volume e à frequência em que acessamos novos conteúdos do gênero nesse período). Nesse intervalo de tempo lá estavam os heróis desbravadores do panteão Rock/Metal para me guiar nessa jornada, assim como fizeram com tantos outros garotos dessa geração (e também, de outras gerações): Metallica, Iron Maiden, Bruce Dickinson (na época, fora do Maiden), Ozzy, DIO, Sepultura, Megadeth e Helloween.

O som desses caras me fez procurar por mais coisas do tipo, coisas que obviamente, me lembrassem a sonoridade desses heróis do panteão do Metal. Naquela época, eu - como muitos - não tinha acesso irrestrito à Internet, que devido às tarifas telefônicas (conexão discada) era realizado somente quando possível em PC's de amigos durante as madrugadas, já que o PC da minha casa nesse horário, era monopolizado pelo irmão mais velho do ninho (o Trooper). Aliás, pode-se dizer que nem mesmo a Internet tinha 'acesso à Internet', já que os buscadores ainda não possuíam a capacidade espantosa que possuem hoje.

Por causa disso, de longe, a melhor fonte de conhecimento e pesquisa para o acervo do Metal até então, eram os amigos "mais experientes" propagando os trabalhos por meio do processo de divulgação "boca a boca", e também usando as raras visitas à galeria do Rock na Rua 24 de Maio em São Paulo (que também dependiam de dinheiro para condução até o centro da cidade). 

Essas vias estreitas de acesso ao material de Heavy Metal me conduziram na ocasião à uma rádio pirata da região da Zona Leste paulista, que 'funcionava' entre 1997 e 1998 - a Rádio Expresso FM - com seu conteúdo exclusivamente direcionado para o gênero Rock/Heavy Metal. Em um de seus programas - "Os Brutos Também Amam" - onde algumas baladas do gênero eram diariamente selecionadas entre uma lista não tão extensa de sons, escutava-se bandas como Scorpions, Whitesnake e Led Zeppelin, e de repente entre essas, surgiu a banda Angra, com seu "mais novo hit" 'Make Believe'. Tenho que dizer que aquilo elevava as baladas para outro nível: As marteladas no piano na introdução, os violões sincronizados no solo, as guitarras pesadas nos refrãos, e é claro.... sobre tudo o que podia se escutar na música, se derramava aquela voz quase feminina de Andre Matos com seus tons altos "descabelantes", e com sua interpretação que emociona à cada palavra cantada.

A partir desse momento pode-se dizer que minha estante de repertório musical foi alterada para sempre. Eu poderia simplesmente escutar aquela balada, gostar do som, e colocar os caras em um radar que eu revisitaria durante os anos seguintes de forma gradual, assim como fiz com o Stratovarius, Manowar, Savatage e Grave Digger, por exemplo, que são grupos de Power Metal aos quais tive contato antes do Angra; mas definitivamente não foi o que aconteceu. Como descrevi na postagem do Pentelho em Holy Land, saí correndo pelos sebos do bairro para encontrar um disco dos caras onde estaria a tal balada...  e depois de me deparar com o CD "Angels Cry" e com "Freedom Call" (que ainda não estavam na minha mira), lá estava ele - por 12 reais - Holy Land, com o hit do momento "Make Believe".

Tudo desde esta simples aquisição se desenrolou como uma avalanche para mim, que ao longo do tempo ofereceu cada pedra que utilizei para construção de minha formação musical baseada no Angra. É claro que em paralelo conheci muitas outras coisas boas do gênero Heavy Metal, mas nenhuma foi tão próxima quanto à essa experiência com a minha banda favorita, brasileira.

Aliás toda essa admiração de fã parte dessas duas células:  do fato de ser uma banda nacional e devido a presença do Matos no grupo. Um turbilhão me vem à mente ao tentar analisar minha relação com o Angra à partir desse ponto...

Quando comprei Holy Land, a primeira coisa que me recordo é que não sabia nem que a banda era brasileira, descobri lendo o espalhafatoso encarte do CD, que inclusive ao ser desdobrado traz o mapa mundi renascentista (o que foi bastante empolgante para um garoto RPGista, como eu era). A segunda coisa que me recordo é que o visual do Andre Matos na única foto do encarte me lembrava bastante o visual do Bruce Dickinson, ídolo máximo da minha geração metaleira (tínhamos um "Bruce brasileiro" que cantava demais! \o/). Ao saber em seguida, conversando com amigos que esse mesmo Andre Matos "quase tinha substituído" o próprio Bruce anos antes, "pirei"... o Brasil poderia mesmo gerar um dos áses do Metal mundial??? e ainda por intermédio do Angra?? (Putz! que pusta CD comprei! de uma pusta banda de Metal, que ainda tinha repercussão internacional!!!).

Em seguida assistindo regularmente a MTV naqueles meses descobri que naquele ano de 1997 o Angra disputava o prêmio da "escolha da audiência" no VMB Brasil, justamente com o videoclipe de "Make Believe"; perdeu, mas levava o Metal para um nível de popularidade e exposição (ao lado do Sepultura, na época) que fazia com que no mínimo, eu conseguisse conversar com os colegas do colégio sobre uma de minhas bandas favoritas. Descobri também pela MTV, que o Angra já tinha dividido o palco com gigantes como o OZZY em grandes festivais como o Monster of Rock de 1994. 

Foi nessa mesma época tive um sonho que até hoje me lembro claramente: eu fazia um dueto super agudo com Andre Matos cantando o refrão de "Nothing To Say" no palco de meu colégio, e finalizava com um super mosh insano sobre a galera.

Nessa minha jornada de imersão no som do Angra, parte de minha escassa economia começou então a ser direcionada para aquisição de seu material, comprei os CD's "Angel's Cry" e "Fireworks", na mesma época em que comecei a tocar e estudar violão, e quando também começava a consumir material musical relacionado à este instrumento. Na medida em que tocava violão com novas pessoas o interesse pelo Angra só aumentava, dado que foi estudando guitarra e violão que percebi que o Angra era muito mais do que a potência vocal de Andre Matos - os 3 primeiros álbuns da banda são verdadeiras enciclopédias sobre riffs e solos de guitarra; não consigo desvincular a imagem de minha primeira guitarra - uma Washburn de série - com meus dedos sofrendo para executar o riff introdutório de Carry On (aliás adquirir uma 'Washburn' de meu amigo Maurock, foi influência direta de Kiko Loureiro).

Depois disso, por volta de 2000 passei a frequentar anualmente os ExpoMusics de São Paulo, local onde tive meu primeiro contato visual próximo com os caras do Angra - Mariutti, Kiko, Confessori, Rafael e Matos - devido aos Workshops que faziam nessas feiras. Foi surreal, mas como os caras eram super assediados, era realmente difícil se aproximar deles na época. Foi nessa época também que subi a pirâmide do fluxograma do Angra para chegar no VIPER, particularmente nos dois primeiros CD's que Matos gravou - Soldiers of Sunrise e Theater of Fate -, e por força maior, também fui obrigado a descer essa mesma pirâmide das ramificações do Viper/Angra; pois o Angra se desmantelava em 2001, criando o subproduto "Shaman", com Andre nos vocais. 

Fiquei feliz. Duas super bandas nacionais!!!

Mas o Shaman e o Andre continuaram sendo parte essencial na minha relação especial com o Heavy Metal, já que o primeiro show de Metal em que estive em minha vida foi uma apresentação dos caras, em 2002. A emoção de um primeiro show é inesquecível, Via Funchal, casa cheia, qualidade de som exímia, meu amigo Mercante ao meu lado...., até abri uma roda em "Nothing To Say"!

Há de se dizer que nesse meio tempo, Andre Matos havia sido também convidado para o Metal Ópera do Avantasia, um baita motivo de orgulho na época (sim, EU sentia orgulho), é como se tudo se convergisse em uma carreira ascendente, na medida em que o próprio Heavy Metal crescia como um movimento musical na Europa e no Brasil, com a proliferação de inúmeras bandas de Power Metal nos dois lados do Atlântico. Escutar o primeiro verso de "Inside" cantado pelo Andre, até hoje me tira de sintonia... . Eu achava que muito disso estava na minha cabeça por causa da relação próxima que eu tinha como fã do Angra, mas quem como eu esteve no primeiro show do Avantasia no Brasil, e viu o Andre discursar por 10 minutos com uma bandeira gigante do Brasil sobre como foi importante para ele chegar ali naquele ponto da carreira, sabe que o cara brigava incansavelmente para colocar o rock nacional em uma posição de música digna e emancipada, livre de qualquer preconceito conservador, coisa que até hoje, convenhamos, não aconteceu efetivamente em um nível de mainstream aqui no país.

E os anos se passaram rapidamente como tinha que ser..... continuei um fã "próximo" do Andre e do Angra, na medida que essa minha vida "super produtiva" de trabalho me permitiu, é lógico; ao longo desses quase 23 anos como fã, vi ao vivo o Angra comemorando seus 20 anos em um show conturbado cheio de convidados, vi o Andre Matos começar e terminar com o Shaman, o vi em seu primeiro show de retorno tão esperado com o Viper (maravilhoso!), também junto ao Tobias Sammet em Avantasia, encontrei pessoalmente o Rafael Bittencourt em uma conversa rápida sobre criatividade com minha turma do IG&T, acompanhei uma espécie de "decadência" desse núcleo musical com o Andre no Symfonia e com o Edu naquele fatídico show do Rock n Rio, depois um "renascimento" com o Kiko Loureiro chegando a um patamar nunca alcançado por nenhum outro guitarrista nacional, e com o ressurgimento do Angra e do Shaman, com Lione e Matos respectivamente nos vocais (e os bons trabalhos do Almah também com o Edu), até chegar no fatídico ultimo final de semana do dia 8/6/2019.

Foi quando Andre Matos morreu.

Eu já tinha comprado os ingressos para o show do Angra, que à noite se apresentaria no 'Templo', aqui na Mooca em São Paulo, mas também já esperava que a banda cancelasse o show devido ao falecimento do co-fundador. E então os caras anunciaram uma homenagem ao invés do show... .  

Em clima de velório, o Paulo Baron, o Rafael Bittencourt e o Fabio Lione disseram algumas palavras, para em seguida rodar um vídeo de homenagem ao Andre, e ao final desse vídeo, surpreendentemente o Rafael e a banda desceram no meio da galera para fazermos uma "roda de violão", sem microfones, cantando alguns versos de músicas do Andre Matos. Eu, o Rafael e talvez mais umas 50 pessoas (por favor, me permitam colocar com esse meu protagonismo) embalamos praticamente à capela as músicas Angels Cry, Carry On e Reaching Horizons, e quando Rafael já finalizaria com mais algumas palavras, o pessoal pediu para ele tocar..... é claro, Make Believe.

Eu não tive a oportunidade nessa vida ordinária de dar um mosh depois de cantar o refrão de Nothing to Say ao lado do Andre Matos, como vislumbrei em meu sonho.... . Mas posso falar que fui presenteado pelo destino como nunca poderia imaginar em nenhum de meus sonhos, pois depois de todos esses longos anos acompanhando e torcendo pelo Angra, tive a glória de junto com o Rafael e com outros colegas, poder cantar em uma roda de violão minha balada favorita em memória da obra de 'meu amigo' Andre Matos. 

.....Foi algo muito estranho, transcendente e sublime que me colocou uma perspectiva de realidade que eu não conhecia; além da recompensa pela fidelidade de fã de longa data, foi como ver um filme próprio em minha cabeça, que começa com um moleque de 16 anos empolgado lendo o encarte de Holy Land com cheiro de novo, enquanto escutava as músicas de sua banda favorita no longínquo ano de 1997. Esse mesmo filme termina 23 anos depois com o mesmo "garoto" chorando a morte de um deles, junto dessa mesma banda como se fossem irmãos...

Depois disso, sou testemunha de que o melhor de minha vida, da sua vida, e da vida do Andre Matos pode ser contado no final das contas, como bonitas obras com começo, meio e fim..., embaladas aos lindos acordes de sons como "Make Believe", "Reaching Horizons", "Carry On", "Stand Away", "Deep Blue", "Lisbon", "Fairy Tale"... pode acreditar.

Obrigado Andre Matos. Por tudo. Descansa em paz meu brother.....

Nota pra sua carreira 10, ou \m/\m/\m/\m/\m/.

Vídeos da homenagem: 




 

Nenhum comentário:

Postar um comentário